sábado, 16 de junho de 2007

ISTO É VIRTUAL?


ISTO É VIRTUAL?
ROSA PENA


Entro apressada e com muita fome na confeitaria.
Escolho uma mesa bem afastada do movimento, pois quero aproveitar a folga para comer e passar um e-mail urgente para meu editor. Peço uma porção de fritas, um sanduíche de rosbife e um suco de laranja. Abro o laptop. Levo um susto com aquela voz baixinha atrás de mim.

— Tia, dá um trocado?
— Não tenho, menino.
— Só uma moedinha para comprar um pão.

— Está bem, compro um para você.
Minha caixa de entrada está lotada de e-mails. Fico distraída vendo as poesias, as formatações lindas. Ah! Essa música me leva a Londres.

— Tia, pede para colocar margarina e queijo também.
Percebo que o menino tinha ficado ali
.— Ok, vou pedir, mas depois me deixa trabalhar.

Estou ocupadíssima. Chega minha refeição e junto com ela meu constrangimento. Faço o pedido do guri, e o garçom me pergunta se quero que mande o garoto “ir à luta”. Meus resquícios de consciência me impedem de dizer sim. Digo que está tudo bem, que o deixe ficar e traga o pedido do menino.

— Tia, você tem Internet?
— Tenho sim, essencial ao mundo de hoje.
— O que é Internet?

— É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar. Tem de tudo no mundo virtual
.— E o que é virtual?

Resolvo dar uma explicação simplificada, na certeza de que ele pouco vai entender e vai me liberar para comer minha deliciosa refeição, sem culpas.

— Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos pegar, tocar.

É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer, criamos nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que ele fosse.

— Legal isso. Adoro!
— Menino, você entendeu o que é virtual?
— Sim, também vivo neste mundo virtual.

— Nossa! Você tem computador?
— Não, mas meu mundo também é desse jeito...
Virtual. Minha mãe trabalha, fica o dia todo fora, só chega muito tarde, quase não a vê.

Eu fico cuidando do meu irmão pequeno que chora de fome e eu dou água para ele imaginar que é sopa. Minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, pois ela sempre volta com o corpo. Meu pai está na cadeia há muito tempo, mas sempre imagino nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos, ceia de Natal, e eu indo ao colégio para virar médico um dia. I
sso é virtual, não é tia?

OBS: “Rosa pena é escritora, autora de diversos textos e livros, e também professora, administradora de empresas e especialista em recursos audiovisuais e artes cênicas. A crônica Isto é Virtual? Consta dos livros Razão e PRETEXTOS - Editora All Print. – Registrada: Na Biblioteca Nacional, desde junho de 2003. Algumas versões desta crônica circulam erroneamente na net com alterações no texto e no título e como sendo de autoria desconhecida”.Visitem o site da autora Rosa Pena acessando:


http://www.rosapena.recantodasletras.com.br/index.php


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