sábado, 16 de junho de 2007

Alma Dos Diferentes

Alma Dos Diferentes
Artur da Távola



Ah!...
O diferente, esse ser especial!
Diferente não é quem pretende ser.

Esse é um imitador do que ainda não foi imitado, nunca um ser diferente.
Diferente é quem foi dotado de alguns mais e de alguns menos em hora, momento e lugares errados para os outros.
Que riem de inveja de não serem assim. E de medo de não agüentar, caso um dia venham, a ser.

O diferente é um ser sempre mais próximo da perfeição.
O diferente nunca é um chato. Mas é sempre confundido por pessoas menos sensíveis e avisadas.
Supondo encontrar um chato onde está um diferente, talentos são rechaçados; vitórias, adiadas; esperanças, mortas.

Um diferente medroso, este sim, acaba transformando-se num chato.
Chato é um diferente que não vingou.
Os diferentes muito inteligentes percebem porque os outros não os entendem.

Os diferentes raivosos acabam tendo razões sozinhos, contra o mundo inteiro.
Diferente que se preza entende o porque de quem o agride.
Se o diferente se mediocrizar, mergulhará no complexo de inferioridade.

O diferente pago sempre o preço de estar – mesmo sem querer – alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e pastores. O diferente suporta e digere a ira do irremediavelmente igual: a inveja do comum; o ódio do mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão, mas que está sempre certo.

O diferente começa a sofrer cedo, já no primário, onde os demais de mãos dadas, e até mesmo alguns adultos por omissão, se unem para transformar o que é peculiaridade e potencial em aleijão e caricatura. O que é percepção aguçada em: “Puxa, fulano, como você é complicado”.

O que é o embrião de um estilo próprio em: “Você não está vendo como todo mundo faz?”.
O diferente carrega desde cedo apelidos e marcações os quais acaba incorporando.
(Só os diferentes mais fortes do que o mundo se transformou e se transformam) nos seus grandes modificadores.

Diferente é o que vê mais longe do que o consenso.
O que sente antes mesmo dos demais começarem a perceber.
Diferente é o que se emociona enquanto todos em torno agridem e gargalham.

É o que engorda mais um pouco; chora onde outros xingam; estuda onde outros burram.
Quer onde outros cansam.
Espera de onde já não vem.

Sonha entre realistas.
Concretiza entre sonhadores.
Fala de leite em reunião de bêbados.

Cria onde o hábito rotiniza.
Sofre onde os outros ganham.
Diferente é o que fica doendo onde a alegria impera.
Aceita empregos que ninguém supõe.

Perde horas em coisas que só ele sabe importantes.
Engorda onde não deve.
Diz sempre na hora de calar.

Cala nas horas erradas.
Não desiste de lutar pela harmonia.
Fala de amor no meio da guerra.

Deixa o adversário fazer o gol, porque gosta mais de jogar do que de ganhar. Ele aprendeu a superar riso, deboche, escárnio, e consciência dolorosa de que a média é má porque é igual. Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados, magros demais, inteligentes em excesso, bons demais para aquele cargo, excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas erradas, cheios de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba. Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais.


A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Suas estrelas têm moradas deslumbrantes que eles guardam para os pouco capazes de os sentir entender. Nessas moradas estão tesouros da ternura humana. De que só os diferentes são capazes.



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