segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A Alvorada do Amor


A Alvorada do Amor
Olavo Bilac.


Um horror, grande e mudo, um silêncio profundo no dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo, disse:

Chega-te a mim! entra no meu amor, e à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado, e aprende a amar o Amor, renovando o pecado!Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto, bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!Vê tudo nos repele! a toda a criação sacode o mesmo horror e a mesma indignação...

A cólera de Deus torce as árvores, cresta como um tufão de fogo o seio da floresta, abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios; as estrelas estão cheias de calafrios; ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...

Vamos!
Que importa Deus?
Desata, como um véu, sobre a tua nudez a cabeleira!

Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te as peles os ramos; morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos; surjam feras a uivar de todos os caminhos; e, vendo-te a sangrar das urzes através, se amaranhem no chão as serpes aos teus pés...

Que importa?
O Amor, botão apenas entreaberto, ilumina o degredo e perfuma o deserto!

Amo-te!

Sou feliz!
Porque, do Éden perdido, levo tudo, levando o teu corpo querido!

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:

Tudo renascerá cantando ao teu olhar, tudo, mares e céus, árvores e montanhas, porque a vida perpétua arde em tuas entranhas!

Rosas te brotarão da boca, se cantares! Rios te correrão dos olhos, se chorares!
E se, em torno ao teu corpo encantador e nu, tudo morrer, que importa?
A natureza és tu, agora que és mulher agora que pecaste!


Ah! Bendito o momento em que me revelaste o amor com teu pecado, e a vida com o teu crime! Porque, livre de Deus, redimido e sublime, homem fico na terra, luz dos olhos teus, terra, melhor que o Céu!
Homem maior que Deus!

(Livro: Bilac Tempo e Poesia publicado em 1965).



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